quinta-feira, 28 de agosto de 2014

"Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário que de um lado era amor e, de outro, esquecimento."

__Cecília Meireles, do livro "Retrato Natural", 1949.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Vaidade

"Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E não sou nada! …”

Florbela Espanca, in “Livro de Mágoas

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Alma Solitária

O que sentias era o que ninguém sentia:
– O ódio, o amor, a saudade, a revolta tremenda.
Não há ninguém que te ame e te console e entenda.
Ninguém compartilhou tua funda agonia.

A alma que possuir acreditaste, um dia,
Indiferente, vai a trilhar outra senda.
Do infinito deserto ergueste a tua tenda
Em meio à solidão da paisagem vazia...

E ora num voo audaz, ora num voo incerto,
Entre o fogo do céu e a areia do deserto,
A asa da aspiração finalmente cansou...

Mas a tua ansiedade e a tua angústia acalma.
– Sobre o abismo cavado entre as almas, ó alma,
Ninguém, para transpô-lo, uma ponte lançou.

__ Júlia Cortines, em "Vibrações”